Pensar o Vitória (1) ...
Ao contrário de muitas das opiniões que tenho ouvido, eu entendo que o Vitória não deve aspirar a ser um clube de dimensão nacional.
Bem pelo contrário. Estou cada vez mais convencido de que o sentido do nosso crescimento e da nossa implantação se deve cingir à regionalidade.
Entendo que a estratégia não deve passar pela aposta em alargar a nossa área de implantação geográfica, mas antes pelo reforço daquela que é realmente a nossa área geográfica de influência.
Na minha opinião, o que é mais importante é que em cada escola do concelho (ou da região) se viva o nosso clube, que os miúdos que jogam à bola no recreio equipem com as nossas camisolas e queiram ser o “Nilson” ou o “Flávio”, o “Rui Miguel” ou o “Alex”.
Fico muito mais contente em saber que em qualquer escola vimaranense (ou da região) os miúdos são adeptos vitorianos, do que saber que num recôndito cantinho do nosso Portugal mais profundo, há meia dúzia de simpatizantes do nosso clube.
Mas não me interpretem mal, fico sempre muito satisfeito quando encontro vitorianos no Alentejo ou no Algarve, ou até nas ilhas.
Fico satisfeito e eles serão sempre bem aceites no nosso clube.
Não é isso que está em causa.
O que eu penso é que não deverá ser essa a estratégia de implantação do nosso clube.
Ter adeptos fora da nossa área geográfica poderá ser uma consequência (e bem simpática, se vier a acontecer), mas nunca um objectivo estratégico.
O que é que gostariam que o Vitória fosse?
Um clube nacional como outros que, apesar de serem muito grandes, se encontram COMPLETAMENTE afastados daquilo que afirmam ser a sua base social de apoio.
Um clube com 6 milhões de adeptos, mas que apenas consegue convencer 2 em cada 100 desses (!), a serem sócios?
Um clube que apenas consegue levar ao seu estádio cinco em cada mil desses tais 6 milhões (0,5%), deixando assim deserta mais de metade das suas bancadas?
É isso que é ser um clube nacional?
Então, eu não quero isso para o meu Vitória!
O que eu quero para o meu clube é que em Guimarães (e na região) se respire Vitória.
Eu não quero que o Vitória tenha 120 mil sócios e que depois, em alguns jogos, não consiga encher nem meio estádio.
Poderemos ser “apenas” 24 mil sócios, mas a verdade é que mais de metade vai sistematicamente ao estádio e, em tempos não muito distantes e com o mesmo número de associados, já tivemos médias superiores a 16 mil.
E isto quer dizer que o Vitória consegue mobilizar efectivamente 66% dos seus sócios a marcarem presença em todos os seus jogos.
Quer dizer que no dia em que conseguirmos ser 50 mil sócios, então mais de 30 mil haverão de querer estar sempre no nosso estádio.
Passaremos então a ser como alguns clubes ingleses, em que existem listas de espera para a compra de lugares anuais.
Será esta a altura em que também nós passaremos a ter uma lista de espera para os lugares cativos no Dom Afonso Henriques.
E apesar de ter consciência que esses 50 mil sócios serão um objectivo muito ambicioso, não me parece ser impossível de atingir se nos lembrarmos que o concelho de Guimarães tem mais de 160 mil habitantes (e o Vale do Ave mais de meio milhão).
Por isso entendo que é necessário investir prioritariamente no nosso concelho. E se quiserem alargar a abrangência da estratégia, então apostem nos concelhos próximos (seja no Vale do Ave, ou fora dele).
Aquilo que eu quero são 50 mil sócios, vitorianos e vimaranenses, que sintam o seu clube como sentem a sua cidade (ou a sua região), num bairrismo sentido, completo e acima de tudo coerente.
E falo de coerência porque sempre tive uma enorme dificuldade em compreender que aqueles que defendem a sua terra tão afincadamente, sejam depois capazes de ser adeptos de clubes tão distantes como o Benfica ou o Sporting.
É desta (in)coerência que eu falo.
Como disse um dia, e muito bem, um conhecido marroquino, ao responder a um portuense e sportinguista, num momento raro de clarividência, “eu, pelo menos, sou do clube da minha terra”.
Diz-se no Porto que “não é portista quem quer, mas sim quem pode”, e em Lisboa que “não é benfiquista quem quer, mas apenas quem nasce assim”.
Uns e outros estão redondamente enganados, embora nem tampouco tenham consciência do facto.
A verdade é que se há coisa democrática e acessível a qualquer um, é ser adepto de quem se quiser e quando assim se entender.
Se eu quisesse transformar-me em adepto de um outro clube, fosse ele qual fosse, não necessitaria de pedir autorização a ninguém.
Bastar-me-ia ir assistir a um jogo, ao estádio do Dragão ou ao Dragão Caixa, com uma camisola do FCPorto ao invés de levar uma do Vitória, para passar a ser companheiro de luta em vez de inimigo, sem que ninguém me exigisse um cadastro de adepto confirmado pela direcção do clube; e também bastaria apenas isso para passar a ser felicitado em vez de insultado. E o mesmo se poderia dizer acerca de cada um dos outros dois estarolas.
Portanto, a verdade é que é portista, benfiquista ou sportinguista, quem quiser, quando quiser e muito bem lhe apetecer.
Ninguém precisa de ser abençoado para poder ser de um determinado clube.
Já o mesmo não se poderá dizer do local onde nascemos, da honra que podemos sentir nas nossas origens, e da felicidade de podermos encontrar na nossa terra o clube que nos faça sentir realizados, ainda que possa não vencer tantas vezes como esses outros.
Ser vimaranense e vitoriano é que realmente não é para todos. É uma honra reservada para aqueles que tiveram a felicidade de aqui nascer, mas que depois, de uma forma consciente, e coerente, optaram por não procurar fora aquilo que já tinham em casa – um clube que os honrasse.
Mas, voltando à questão inicial, como seria possível levar um terço da população do concelho (ou 10% da região) a tornarem-se sócios do Vitória?
Só há um caminho: aproximar o clube da população.
O objectivo deverá ser transformar cada vimaranense num vitoriano.
Estou, neste aspecto, totalmente de acordo com aquilo que o Ricardo Lopes escreveu no Vimaranes, no seu artigo “Vitória e Guimarães”.
Aquilo que eu penso que deveria ser feito era multiplicar estas acções, que já vão sendo feitas hoje em dia, com os jogadores de futebol a visitar escolas, hospitais, instituições de solidariedade social, etc, sempre a promover o clube. E as possibilidades não se esgotam no futebol.
Porque não usar também os atletas das outras modalidades, com igual ou ainda maior sucesso desportivo?
Ponham-nos “em campo”, divulguem o clube, o desporto e as suas modalidades.
Aumentem o contacto com a população, apostem na cumplicidade, deixem os miúdos falar com os atletas, conhecê-los pessoalmente, pedirem os seus autógrafos, serem incentivados à prática desportiva, e veremos aumentar a nossa base social de apoio e aumentar a captação de novos atletas em todas as modalidades.
Solidarizem-se com os doentes nos hospitais, com os desafortunados nas IPSS.
Levem os nossos atletas a trabalhar em prol do clube, mais do que essas ridículas 2 ou 3 horas diárias.
O clube tem de se aproximar dos vimaranenses, até à intimidade.
Mais próximo e com mais frequência.
Abram as portas das instalações, criem aí acontecimentos e actividades para a participação dos sócios (e até dos vimaranenses ainda não convertidos).
Ocupem com isso as manhãs dos fins de semana.
Tragam os sócios para as instalações do clube, façam-nos sentir que elas são suas e também para seu uso, muito para além daqueles 90 minutos quinzenais.
A proximidade e a cumplicidade entre clube e cidade, entre vitorianos e vimaranenses, até à total sobreposição, será a chave do nosso sucesso.
Transforme-se o clube numa verdadeira agremiação desportiva, cultural e recreativa.
Organizem-se encontros, festas, piqueniques, jogos de lazer, provas desportivas puramente amadoras, misturando sócios e simpatizantes com atletas.
Justifique-se o seu estatuto de utilidade pública.
E isto sim, isto é que haverá de fazer de nós realmente “únicos”, sem haver quem, a nível nacional, se nos possa comparar.
Não, decididamente não acredito que ser um clube nacional seja o caminho.
Alegarão alguns que esta perspectiva é apenas provinciana.
Julgo que não. Estou mesmo convencido de que realmente não é.
Como dizia o Rui Oliveira e Costa há uns meses atrás, o fenómeno dos clubes nacionais, é um fenómeno limitado, na Europa, à península Ibérica. Para se encontrarem outros exemplos, fora da Europa, teremos de olhar para a América Latina.
E o que esta realidade demonstra à saciedade é que o conceito de “clube nacional” é um conceito, digamos, um pouco “terceiro-mundista”.
Não somos nós que somos provincianos.
Eles é que são… como são…
E concluindo um artigo que já vai demasiado longo, aquilo que eu quero é que, um dia (e à imagem de um outro clube que neste particular é um verdadeiro exemplo a seguir), o Vitória também possa dizer que é muito “mais do que um clube”…
Etiquetas: Ibraim, pensar o Vitória
4 Comentários:
Às 01 maio, 2011 00:05 , Ernesto Paraíso disse...
Parabéns pelo texto, que é sem dúvida mais um contributo para uma discussão necessária e importante sobre o futuro do Vitória.
Na temática abordada, uma coisa ressalta e reflete uma preocupação comum a muitos vitorianos:
-É necessário aumentar a base de apoio do clube e consequentemente aumentar o volume da massa associativa e dos lugares anuais vendidos.
Julgo que os limites do concelho não serão suficientes, é necessário trabalhar também a região, a começar pelas áreas limítrofes de Famalicão e S Tirso, e também pelos concelhos de Vizela, Fafe e Felgueiras, onde já há uma boa dose de implantação vitoriana.
Claro que mais importante que estar a discutir as áreas a trabalhar, é avançar para o terreno e ganhar a intimidade referida.
É importante começar!
Já agora, toda esta temática fez-me lembrar um grande vitoriano que tem um blog (Depois Falamos).
Não sei se conhecem, mas já defendeu, e bem, a realização de um congresso vitoriano.
Talvez essa realização pudesse ser também um factor de mobilização do mundo vitoriano
Às 01 maio, 2011 00:31 , Ibraim disse...
Estamos de acordo sobre a necessidade de alargar a nossa base de apoio para além dos limites do concelho.
E julgo que esse alargamento poderia inclusivamente abranger os concelhos mais periféricos dos distritos do Porto e até de Vila Real.
As possibilidades são muitas, devem ser estudadas com cuidado, mas continuo a acreditar que se deveria começar por investir mais no nosso próprio concelho.
De qualquer modo, nada nos impediria de o fazer simultaneamente...
Conheço de facto o Luís Cirilo, e também é verdade que partilho com ele muitas das suas opiniões sobre o Vitória.
Julgo, inclusivamente, que o título que dei ao artigo, é da sua autoria...
Às 01 maio, 2011 23:27 , Jeremias disse...
No geral estou completamente de acordo contigo caro IBRAIM. Reforçaria apenas u aspecto: Não vale a pena pensarmos em expansão para fora do Minho enquanto não formos ,de forma clara, o principal clube da região.
E todos sabemos que nessa matéria os ultimos dez anos foram tempo perdido.
Para nós.
Porque o clube aqui ao lado aproveitou o nosso adormecimento para crescer como todos sabemos.
É preciso recuperar rapidamente o terreno perdido.
Mas com outros protagonistas á frente do clube.
Porque com estes estamos falados.
Às 04 maio, 2011 15:48 , Unknown disse...
Concordo com a totalidade do texto.
Quando muito expandir aos concelhos limítrofes, bom sinal a acção nas escolas da Póvoa de Lanhoso por exemplo.
Pensar que podemos ter muitos adeptos no Porto, Lisboa ou Algarve é uma utopia sem sentido na minha opinião
É urgente e necessário principalmente solidificar a presença e reforçar as acções na nossa zona. Têem-se feito algumas acções nas escolas, mas estão aí no texto muitas e boas propostas.
Excelente texto.
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