24.3.09

Chegou a hora de dizer BASTA !!!!!!... (3)

Meus caros, Ibraim em particular:

Deixo infra um email que enviei no dia 10.03.2008 ao "super-comentador" da SIC-Notícias, Rui Santos.
Deixo para os devidos efeitos e utilização que tiverem por convenientes.
E para não deixar morrer esta discussão que temos tentado várias vezes suscitar e que o Ibraim tem conseguido com algum sucesso.

"Exmo. Senhor,

Entenda este e-mail simultaneamente como um desabafo e como um contributo para a reflexão.
Que dirijo a si por crer que será dos poucos agentes e intérpretes do desporto nacional que poderá compreender o alcance do que pretendo transmitir e conceder a devida divulgação.
Sou adepto e sócio do V.Guimarães e sou naturalmente, adepto do futebol.
Nunca me considerei "nortista" nem imbuído de qualquer sentimento regionalista, mas sempre me incomodou a forma centralista como, desportivamente e não só, são tratadas as realidades do nosso país.

Considero que o desnivelamento condicionado que existe entre os 3 grandes e os restantes clubes é um factor altamente prejudicial do bom desenvolvimento do futebol português.
Explico: quanto mais benfiquistas, portistas e sportinguistas houver pelo país, menos margem há para o surgimento, com força e pujança social, de clubes médios que pretendam aspirar a ser grandes, e isto é, na minha opinião, um fenómeno que limita fortemente o crescimento do futebol português.

Em Portugal e para além dos 3 grandes, creio que apenas o V.Guimarães, o V.Setúbal, a Académica e o Leixões são verdadeiros clubes no sentido de que têm uma massa adepta fiel e que dá corpo à sua estrutura. Esta semana, por ex., compararam no programa o nº habitantes de Guimarães e de Setúbal, versus o nº de associados. Guimarães tem cerca de 30.000 sócios numa cidade com cerca de 70.000 habitantes.
Imaginem o que seria do campeonato português se esta média fosse seguida noutras cidades/clubes do país? O que seria se, para além das que referi, Aveiro, Braga, Funchal, Faro, Vila Real, Leiria, Viseu, entre outras, tivessem cerca metade da população associada e efectivamente adepta do seu clube? Teríamos com toda a certeza um lote de 10 equipas capazes de lutar, pontualmente, pelo próprio título de campeão nacional.
Isto é, teríamos um campeonato que (exceptuando a vertente financeira) teria um índice de competitividade idêntica ao campeonato inglês, espanhol ou italiano, onde há um lote reduzido de equipas que ganha muito mais vezes do que as outras, mas onde há um mínimo de 10 equipas que já foram alguma vez campeões nacionais. E isso desperta interesse pelo campeonato, por todos os seus jogos, e até, aumentando a competitividade, faz crescer em qualidade e exigência a performance dos maiores clubes, que precisam de ser ainda melhores para poderem vencer.

Aqui em Portugal, só 3 clubes ganharam alguma vez campeonatos nacionais (exceptuando os campeonatos de Belenenses e Boavista) e nem há margem para que suceda diferentemente.
Se o algum dos 3 grandes perde um jogo fora, é um escândalo nacional, como se jogassem contra 11 bonecos que deviam era mostrar-se orgulhosos de jogar contra tamanha dimensão... Se um clube vai à Luz perguntam aos jogadores adversários como se sentem ao entrar naquele estádio , em suma, trata-se de uma figura tão ridícula, de um certo parolismo centralista, que só mesmo para quem está no resto do país é que consegue notar o papel que fazem certos repórteres.

Basta notar o seguinte: a SportTV presenteia-nos semanalmente com a antevisão de cada uma das jornadas do campeonato inglês, efectuada pela TV britânica. Aí conseguimos ver o tratamento que é dispensado aos clubes que se defrontarão, para além do evidente destaque que é concedido aos maiores clubes, todos os clubes são tratados como iguais, são entrevistados os seus jogadores como se de estrelas se tratassem, são vistas imagens da sua história e da história do embate que se verificará, são filmados os treinos de ambos os clubes, ou seja, é dada real dimensão e importância aos clubes e jogos.
Em Portugal, um clube só tem direito a referências televisivas e reportagens, salvo raras excepções, quando defronta ou defrontou um dos três grandes. O Boavista foi campeão, e no ano seguinte, continuou a ter honras na comunicação social a seguir aos três grandes, se há um V.Guimarães/Braga, ou um Boavista/Setúbal, grandes jogos do nossos campeonato, jogos com imensa história de clubes com passado e presente europeu, clubes históricos do nosso campeonato, normalmente, é prestada muita menor importância a este jogo do que a um Benfica/Naval ou Porto/P.Ferreira... E isto não é tratamento igualitário, nem tampouco é tratamento equitativo, porque a ser equitativo dar-se-ia maior importância ao jogo que efectivamente é mais importante, não, o tratamento é o critério dos 3 grandes e tudo o resto são os que existem apenas para tentar retirar alguns pontos.
A comunicação social transforma o campeonato português como um campeonato a 3 clubes, sendo os restantes apenas aqueles que lhes tentam dificultar o caminho de progressão ao título. O nosso campeonato, nessa visão dominante, é uma espécie de campeonato por dedução de pontos, isto é, inicia com a totalidade dos pontos naqueles três clubes, e depois, ao longo do percurso, ver-se-á quais desperdiçam mais pontos. Nunca o Vitória, o Braga, o Boavista, etc., ganham aos grandes, estes é perdem os jogos. Há-de reparar que a abordagem ao jogo é sempre "a defesa do Benfica esteve mal", ou "os trincos do Porto não souberam fechar" ou "o guarda-redes do Sporting foi mal batido" e nunca "O Vitória foi superior", "O Benfica perdeu porque o Setúbal foi melhor", entre outros...

O texto já vai longo e peço-lhe agora desculpa pelo meu desabafo.
Mas entenda este texto como provindo de alguém com a formação mínima para poder, tentar, fazer sentir a diferença de realidades do nosso país, visto na sua integralidade, e aquela que é reflectida na comunicação social.
Em tudo, mas em termos futebolísticos este fenómeno é gritante.

Pelo motivos expostos, considero sinceramente que o endeusamento dos 3 grandes, do qual é principal responsável a comunicação social, é um dos principais factores causador do subdesenvolvimento competitivo do futebol português.
Não são apenas os jogadores e treinadores que muito teriam a aprender com aquilo que se passa nos outros campeonatos. Também à comunicação social desportiva falta por vezes a necessária dose de humildade para não se limitar a dizer o quanto os agentes desportivos precisam de aprender, para, ela própria, ver o quanto tem a aprender com as práticas em países em que, como sucede aqui em Guimarães, as pessoas vêm o clube como vêm a selecção: da mesma forma que não faz qualquer sentido torcer pela selecção espanhola ou francesa quando somos portugueses, cremos e praticamos que não tem o mínimo de nexo torcermos por uma colectividade que representa outra terra, outros interesses, outra população.
Se se enraizar este sentimento do clube como o representante da sua terra (como sucede no resto da Europa onde não se imagina um cidadão de Liverpool ser por um clube de Manchester, onde não tem cabimento um cidadão de Roma ser pelo Nápoles, onde não faz sentido um cidadão de Bilbau torcer pelo Real Madrid...), ao contrário desta pequenez de pensamento de divisão de um país inteiro apenas a três cores, certamente, teremos muito melhores clubes, clubes mais fortes e estáveis financeiramente, muito melhores prestações internacionais dos "restantes" clubes portugueses e sobretudo, o que nos interessa a todos, um muito melhor e mais competitivo campeonato português.

Desculpe-me uma vez mais a maçada e o excesso de escrito.
Espero poder, de alguma forma, contribuir para lançar uma reflexão em torno deste tema que creio ser central em face do bom desenvolvimento do futebol português.

Fica o meu contributo.

Os meus melhores cumprimentos,


PAQUITO"

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publicada por Paquito @ 16:37  

9 Comentários:

  • Às 24 março, 2009 17:03 , Blogger Ernesto Paraíso disse...

    Achei particularmente feliz a referência ao "pacote" de previsão da jornada que é passado na televisão acerca da Premier league.

    Aí se nota uma diferença colossal de desenvolvimento entre as duas realidades futebolísticas: A portuguesa e a inglesa.
    Para além do triste domínio dos três grandes no nosso futebol, outro facto nos distancia desse 1º mundo futebolístico: é que lá, dá-se primazia aos actores: os futebolistas, os treinadores e até mesmo os adeptos.

    Por cá, os personagens principais são os jornalistas e os paineleiros (note-se o nº de horas concedido a debates e compare-se com o tempo concedido ao futebol propriamente dito)

    No entanto, uma nota só.

    O responsável pela produção desses programas é algum canal de televisão inglês ou é a própria Liga de futebol?

     
  • Às 24 março, 2009 17:50 , Anonymous Anónimo disse...

    Quando dizes que enviaste esse e-mail no dia 10.3.2008, queres mesmo dizer há um ano ou foi engano... É que, se foi há um ano e não teve qualquer resposta, nem mereceu qualquer comentário... está tudo dito...

     
  • Às 24 março, 2009 19:02 , Blogger João António disse...

    Bem, tenho que felicitar o texto, diz muita coisa que todos nós que temos os olhos abertos conseguimos ver.

    Outras coisas por exemplo tem a ver com as arbitragem que também ficam influenciadas (vejam-se as palavras do Lucílio Baptista), e acima de tudo, o ciclo vicioso que tudo isto gera:
    - só publicam os clubes "grandes", isto dá publicidade a eles que ficam maiores, assim eles é que vendem por isso publica-se mais, e ficam maiores, e publica-se mais, etc
    ...enfim... o fosso vai aumentando todos os dias...

    Outro ponto interessante, é que os próprios clubes "grandes" perdem com isto, pois nos seus estádios nunca irão encher as bancadas dedicadas aos clubes visitantes... e mesmo os seus próprios adeptos fartam-se, pois jogo após jogo só está a sua equipa em campo.

     
  • Às 25 março, 2009 14:50 , Blogger Jeremias disse...

    Inteiramente de acordo com o teor do post.
    É importante,ainda que de resultados infelizmente duvidosos,que estes "FAZEDORES" de opiniões percebam que há gente que não anda a dormir,não se deixa enganar,não vai na onda.
    Creio que se atirarmos com muita água mole a pedra tão dura ainda conseguiremos ser ,pelo menos,ouvidos.
    Porque passar disso só pela via institucional dos restantes 29 clubes serem capazes de dar um murro na mesa.
    E isso não será,infelezmente,amanha

     
  • Às 25 março, 2009 22:08 , Blogger Ibraim disse...

    Caro Paquito,
    Brilhante o teu texto, explanando com clareza tudo aquilo que haveria para dizer.
    Receio no entanto que Rui Santos faça dele letra morta, como já fez no passado com outras mensagens que lhe foram enviadas.
    E acredito qaue ele não te responderá porque Rui Santos não é melhor do que os outros, sendo também ele cúmplice deste triste "status quo".
    De qualquer modo, estou solidário contigo, como é óbvio, e também acredito (como o Jeremias) que água mole em pedra dura tão bate até que fura...
    Não podemos mesmo é desistir, naõ é verdade?
    Por isso FORÇA Paquito, estamos contigo!...

     
  • Às 25 março, 2009 22:31 , Blogger Rui Osório disse...

    Realmente é mesmo um belo texto, pena é o Rui Santos só ser conhecido por comentar a vida do Porto Benfica e Sporting... ah e a selecção Portuguesa quando joga...
    Mas fica a intenção e um texto que pode e deve ser usado noutros locais.

     
  • Às 26 março, 2009 00:07 , Anonymous Anónimo disse...

    o paquito diz que «compararam no programa o nº habitantes de Guimarães e de Setúbal, versus o nº de associados»

    Alguém pode colocar um post com essa parte do programa?

     
  • Às 26 março, 2009 02:35 , Blogger Paquito disse...

    N'Dinga,
    Não me enganei na data. Foi mesmo há um ano atrás.
    Motivado por este sentimento que partilhamos há muitos anos, mas também pela circunstância de o próprio Rui Santos ter dedicado o programa da semana antecedente a reflectir em torno dos fenómenos Vitória (que estava nos primeiros lugares) e Setúbal (que creio já tinha ganho a Taça da Liga e apresentava um excelente desempenho no campeonato) e acerca de como seria importante que surgissem mais fenómenos como esses. Aliás, respondendo ao libertas, não tenho nenhum registo desse programa, é procurar o programa dele da SIC-N em Fevereiro/08 e encontra-se de certeza.
    Na altura o capitão, para quem enviei este texto, mas como nunca o publicou resolvi fazê-lo agora dado o enquadramento em face do que se vem discutindo.
    Resposta nunca tive. Embora tenha registado a feliz coincidência (que estou certo ter sido isso mesmo) de na semana a seguir a este email ele ter começado um programa em que falou 30mn acerca do Vitória. Fez aquelas estatísticas, analisou a equipa jogador a jogador, pontos fortes e fracos, etc., ou seja, tratou o Vitória exactamente como se tratam habitualmente os grandes (apesar de então o justificarmos por estarmos em 3º é certo que mesmo assim não o temos visto suceder). Não quero atribuir a este simples texto esse mérito, mas que foi uma engraçada coincidência foi.

     
  • Às 26 março, 2009 15:40 , Blogger Ibraim disse...

    Tiveste mais "sorte" do que eu, caro Paquito.
    No ano passado também enviei uma mensagem ao Rui Santos, mas não constatei qualquer reacção que nos fosse favorável e muito menos tive "direito" a uma resposta.
    Tu, com a tua mensagem, pelo menos viste uma reacção...
    Há comentários com os quais eles se sentem pouco confortáveis.
    Para eles, pessoas como nós funcionam como uma espécie de consciência que eles preferem silenciar, ignorando-a...

     

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